sábado, 24 de abril de 2010

Não era amor. Era melhor.


Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo.

Eu bati a 200 km por hora e estou voltando à pé pra casa, avariada. Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos.

Talvez este seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?

Eu não amei aquele cara.
Eu tenho certeza que não.
Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor, era uma sorte.
Não era amor, era uma travessura.
Não era amor, eram dois travesseiros.
Não era amor, eram dois celulares desligados.
Não era amor, era de tarde.
Não era amor, era inverno.
Não era amor, era sem medo.
Não era amor. Era melhor.

(Martha Medeiros)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ciúme não é ex.

Sobras de minha existência pela casa, escondidas para não
irritar a nova mocinha.
Meu pijama sufocado num canto da gaveta para que nenhuma
lembrança respire. Meus chinelos abduzidos no meio
da "sapataiada", tão pequenos que quase inexistem ou poderiam passar tranqüilamente por pares de criança.
Fotos, milhares delas, guardadas sem carinho, uma preguiça
triste de arrumá-las em álbuns. Estão lá, paralisadas em
momentos felizes, tradutoras de uma vida que quase foi,
trancadas porque o que quase foi não pode atrapalhar o que
ainda pode ser.
Talvez um fio de cabelo, o último deles, esteja nesse momento
sendo varrido e levado pelo vento forte e solitário que não
deixa dúvidas que o inverno chegou.
Inverno que era sempre comemorado porque eu sabia que ele não sentiria tanto calor para dormir e eu poderia ser abraçada de
conchinha o tanto que desejasse.
Agora é outra que suspira protegida olhando o quadro do Monet
e ri apaixonada de algum provável barulho que ele faça com
seu nariz estranho, jurando na manhã seguinte que não ronca.
Saudade não é ex, tampouco amor. Mas a vida da qual abrimos
mão por um sonho (ou por um erro) é passado.
E de escolhas e de perdas é feita a nossa história. Não há
nada que se possa fazer a não ser carregar por um tempo um
peso sufocante de impotência: eu escolhi que aquele fosse o
último abraço.
Agora é outra que se perde em ombros tão largos, tomara que
ela não se perca tanto ao ponto de um dia não enxergar o
quanto aquele abraço é o lado bom da vida.
Da vida que te desemprega mesmo depois de tantas noites em
claro e de tantos beirutes indigestos. Da vida que te abre
uma porta que você jura ser a certa mas quando resolve entrar
descobre duas crianças brincando na sala e uma mulher
esperando no quarto.
Da vida que te confunde tanto que você quer se afastar de
tudo para entendê-la de fora. Da vida que te humilha tanto
que você quer se ajoelhar numa igreja. Da vida que te
emociona tanto que você não quer pensar. Da vida que te dá um
tapa na cara pra você acordar e não tem ninguém pra cuidar do
machucado e dizer que vai ficar tudo bem. Da vida que te
engana.
Aquele abraço era o lado bom da vida, mas para valorizá-lo eu
precisava viver. E que irônico: pra viver eu precisava perdê-
lo.
Se fosse uma comédia-romântica-americana, a gente se
encontraria daqui a um tempo e eu diria a ele, que mesmo depois
de ter conhecido homens que não gritavam quando eu acendia a
luz do quarto, não faziam uso de um cigarro que me irritava
profundamente e sobretudo minha rinite alérgica, não amavam
os amigos acima de, não espirravam de uma maneira a deixar
um fio de meleca pendurado no nariz, não usavam cueca rosa,
não cantavam tão mal e tampouco cismavam de imitar o Led
Zeppelin, não tinham a mania de aumentar o rádio quando eu
estava falando, não tiravam sarro do bairro em que nasci, não
insistiam em classificar minhas mãos e pés como seres de
outro planeta, não ligavam se eu confundisse italiano com
espanhol e argentino, nomes de capitais, movimentos
artísticos, datas de revoluções e nomes de queijo, era ele
que eu amava, era ele que eu queria.
E ele me diria que, mesmo depois de ter conhecido mulheres que
conheciam a Europa e não entupiam o ralo com cabelos,
mulheres que tinham nascido em bairros nobres e charmosos de
São Paulo, ou melhor, do Rio de Janeiro, mulheres que
arrumavam a cama e não demoravam tanto para sentir prazer,
não entravam de sapato no carpete, não tinham uma blusa
ridícula com uma rajada de dourado, não eram dentuças e
tampouco testudas, não cantavam tão mal, não tinham medo de
cachorros pequenos, não reclamavam do ar-condicionado e nem
tinham medo de perder a mãe ou comer uma comida muito
temperada, era eu que ele amava, era eu que ele queria.
Mas a realidade é que não gostamos desses tipos de filme
fraco com final feliz, gostamos dos europeus "cult" onde na
maioria das vezes as pessoas sofrem e perdem, assim como aconteceu com a gente.

Tati Bernardi.

Cadê a tampa da minha panela, o chinelo do meu pé cansado, a metade da minha laranja?

Tá em ebulição, vazando, transbordando, e nada da tampa da panela pra socorrer a lambança. É culpa da pressão que eu ponho em tudo isso? É o que dizem: desencana que uma hora ele aparece.

O pé cansado já tentou calçar (à força) do chinelão que descola as tiras ao sapatinho de cristal. Nenhum serviu e o coitado tá todo esfolado.

Ninguém pra descascar, chupar ou fazer uma laranjada. Em compensação, laranjas na minha vida não faltam.YEAP! E chega! Há anos peço o príncipe e só me mandam o cavalo.
Fim de ano sem amar é deprê, hein? Tô megera o suficiente pra ver uma família feliz no shopping e pensar que aquela instituição "image bank" não passa de uma união solitária de aparências. Tô megera o suficiente pra furar a fila do Papai Noel e pedir um pirulito, bem grande, bem grosso, bem exclusivamente apaixonado por mim.
Tô megera o suficiente pra abraçar os veadinhos do trenó em homenagem aos meus ex-casos. Tô megamegera o suficiente pra não admitir minha carência e dar uma risada debochada de todas as luzes, canções e emoções de boas-festas.
Tá, mas no especial do Roberto Carlos não vai dar pra ser megera. O filho da mãe sempre me faz chorar. É impressionante como a gente se sente sozinha na porra do especial do Roberto Carlos.
É claro que eu desejo o meu sucesso profissional, dinheiro, saúde, ..., mas nada de atacar para todos os lados nas simpatias deste réveillon. Não dá certo. Este ano vou focar no amor: calcinha vermelha, fitinhas vermelhas e as sete ondas vão ser puladas com a mão no coração (se eu usar a frente-única branca que comprei, é bom que a mão no coração já segura um peito) e uma só intenção: encontrar o danado.
Ah, sejamos sinceras mulheres modernas: no fundo, no fundo, a gente quer mesmo é alguém pra dormir protegida no peito (de preferência largo, forte e levemente cabeludo).
E nem é medo de ficar pra titia não, além de ter cara de mais nova e ser bem
nova, eu sou filha única. É vontade de sentir aquela coisinha misteriosa de "é esse!". Como será sentir isso? Eu sempre sinto que "pode ser esse, ou talvez com algumas mudancinhas possa ser esse ou talvez se ele quisesse, poderia ser esse...". Não, isso tá errado. Quero sentir que "é esse".
Dizem que materializar os sonhos escrevendo ajuda, então lá vai: quero transar com beijo na boca profundo, olhos nos olhos, eu te amo e muita sacanagem, quero cineminha com encosto de ombro cheiroso, casar de branco, ser carregada no colo, filhos, casinha no campo com cerquinha branca, cachorro e caseiro bacana. Quero ouvir Chet Baker numa noite chuvosa e ter de um lado um livrinho na cabeceira da cama e do outro o homem que amo.
Quero sambão com churrasco e as famílias reunidas. Quero ter certeza, ali no fundo da alma dele, de que ele me ama. Quero que ele saia correndo quando meu peito amargurado precisar de riso. Que ele esqueça, de vez em quando, seu lado egoísta, e lembre do meu. Que a gente brigue de ciúmes, porque ciúmes faz parte da paixão, e que faça as pazes rapidamente, porque paz faz parte
do amor. Quero ser lembrada em horários malucos, todos os horários, pra sempre. Quero ser criança, mulher, homem, et, megera, maluca e, ainda assim, olhada com total reconhecimento de território. Quero sexo na escada e alguns hematomas e depois descanso numa cama nossa e pura. Quero foto brega
na sala, com duas crianças enfeitando nossa moldura. Quero o sobrenome dele, o suor dele, a alma dele, o dinheiro dele (brincadeira...). Que ele me ame como a minha mãe, que seja mais forte que o meu pai, que seja a família que escolhi pra sempre. Quero que ele passe a mão na minha cabeça quando eu for
sincera em minhas desculpas e que ele me ignore quando eu tentar enrolá-lo em minhas maldades. Quero que ele me torne uma pessoa melhor, que faça sexo como ninguém, que invente novas posições, que me faça comer peixe apimentado sem medo, respeite meus enjôos de sensibilidade, minhas esquisitices depressivas e morra de rir com meu senso de humor arrogante. Que seja lindo
de uma beleza que me encha de tesão e que tenha um beijo que não desgaste com a rotina. Que a sua remela seja sequinha e não gosmenta e que o tempo leve um pouco de seu cabelo (adoro carecas...)NOT. Que suas escatologias não passem de piada e se materializem bem longe de mim. Tem que gostar de crianças, de cachorrinhos, da minha mãe, e tem que odiar ver pessoas
procurando comida no lixo. Tem que dançar charmoso, ser irônico, ser calmo porém macho (ou seja, não explodir por nada mas também não calar por tudo). Tem que ser meio artista, mas também ter que saber cuidar dos meus problemas burocráticos. Tem que amar tudo o que eu escrevo e me olhar com aquela cara
de "essa mulher é única".
É mais ou menos isso. Achou muito? Claro que não precisa ser exatamente assim, tintim por tintim. Exigir demais pode fazer eu acabar sozinha em mais shows do Roberto Carlos. Deus me livre! Bom, analisando aqui, dá pra tirar umas coisinhas. Deixa eu ver... Resumindo então: tem que dizer que me ama e me amar mesmo, tem que rolar umas sacanagens e não pode ter remela
gosmenta. Pronto!
E quando eu tiver tudo isso e uma menina boba e invejosa me olhar e pensar que "aquela instituição feliz não passa de uma união solitária de aparências" vou ter pena desse coração solitário que ainda não encontrou o verdadeiro amor.

Tati Bernardi.

Insône

' Toda mulher feliz e equilibrada deixa saudades. Mas eu não queria. Eu só queria amar alguém, com toda a tristeza e desequilíbrio que vem junto com isso, e continuar deixando saudades.
Quando dizem que namoro ou casamento ou qualquer relacionamento mais sério não pode dar certo, eu discordo. O que definitivamente não dá certo, ao menos para mim, é se apaixonar. Agora, que graça tem fazer qualquer coisa da vida sem estar apaixonada? Ô vidinha filha da puta. '

'Mas aí, daqui uns dias.... você vai me ligar. Querendo tomar aquele café de sempre, querendo me esconder como sempre, querendo me amar só enquanto você pode vulgarizar esse amor. Me querendo no escuro. E eu vou topar. Não porque seja uma idiota, não me dê valor ou não tenha nada melhor pra fazer. Apenas porque você me lembra o mistério da vida. Simplesmente porque é assim que a gente faz com a nossa própria existência: não entendemos nada, mas continuamos insistindo.'



'Eu te amo também do jeito mais óbvio de todos: eu te amo burra. Estúpida. Cega. E eu acredito na gente.'

Tati Bernardi



quarta-feira, 21 de abril de 2010

Fizeram a gente acreditar. Por John Lennon

"Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer,só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é acionado, nem chega com hora marcada. Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável. Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um": duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável. Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto. Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas. Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém."

domingo, 18 de abril de 2010

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O que é que faz a gente se apaixonar por alguém? Mistério misterioso. Não é só porque ele é esportista, não é só porque ela é linda, pois há esportistas sem cérebro e lindas idem, e você, que tem um, não vai querer saber de descerebrados. Mas também não basta ser inteligente, por mais que a inteligência esteja bem cotada no mercado. Tem que ser inteligente e... algo mais. O que é este algo mais? Mistério decifrado: é o jeito.

A gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ela tem olhos azuis: é o jeito dele de dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós; é o jeito dela de piscar demorado seus lindos olhos azuis, como se estivesse em câmera lenta.

O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso. [...]

[...] Mas o cara mais sensacional do universo e a mulher mais fantástica do planeta nunca irão conquistar você, a não ser que tenham um jeito de ser que você não consiga explicar. Porque esses jeitos que nos encantam não se explicam mesmo.

Martha Medeiros - sim, ela me entende. E muito.

*

"O que é melhor para o relacionamento de um casal: que eles sejam iguais ou diferentes? Alguns apostam nos casais siameses: os dois corintianos, os dois petistas, os dois fumantes. Já outros preferem o antagonismo: ele Corinthians, ela Palmeiras; ele PT, ela PMDB; ele fumante, ela presidente da Associação de Combate ao Câncer de Pulmão."